segunda-feira, julho 18, 2005

Anfibologia (por Edson e Vinicius)

Esse texto foi feito por mim e pelo meu querido Edson Júnior, que mantém belíssimos textos em seu blog. "No entanto", quando eu falo belíssimos textos, é porque são realmente belíssimos. O endereço do blog do Edson é www.mtyp.blogspot.com.
Há o projeto de transforma-lo em um arquivo de som. Caso seja, eu ponho o link aqui depois.
Com vocês, Anfibologia.

Todos têm problemas, e os amigos servem para curar as dores e fornecer um braço forte aos que necessitam, um ombro largo pra deitar a cabecinha, e chorar as lágrimas da emoção.

- Pô, cara.. É isso aí, bola pra frente, cabeça erguida e determinação..
- É né, as oportunidades se abrem para nós, e temos que estar preparados para elas.
- Exatamente. Às vezes a vida prega peças, e você pode cair, amolecer.
- Isso mesmo... Pode até cair de lado uma vez... Mas o negócio é não amolecer... Reestabelecer as forças.
- Com certeza, depois que esfria a cabeça, é deixar o sangue fluir normalmente, se levantar de novo...
- E ser firme novamente, para enfrentar as batalhas vindouras, adentrar a selva que é a vida, quantas vezes for necessário... E nunca desistir.
- É a Vida...
- Exato. A gente tem que aprender a entrar de cabeça nas portas que se abrem, em quem, ou melhor, no que der e vier ou vier e der e vice-versa, versa-vice.
- E ir fundo... Fundo mesmo, e lutar por aquilo que você quer. Romper barreiras.
- Após várias tentativas eu acho que a gente acaba conseguindo atravessar caminhos densos, profundos, que podem até causar dor...
- Mas você vai ver, ou melhor, sentir, que no fim, somos nós que bradamos o urro da vitória, compartilhando-o ou não com o próximo, e podemos, em sinal de honra, tirar a camisa suada e vestir outra limpa, para...
- Isso! Vestir a camisa de próximas guerras...
- Mas não é? Afinal, quando se vence uma batalha há de se recuperar para as outras.
- Isso mostra que caminho da vida é uma competição, uma corrida.
- Concordo.
- É né...
- É a vida.

terça-feira, abril 12, 2005

Quanto é um pão?

Padaria. Ao balcão de salgados:
- Moça, me dê dois pães por favor.
- Só estamos tendo pão doce, senhor.
- Então me dê um sonho mesmo.
- Pode escolher.
- Quero um sonho que possa ser vivido, que saia dos pensamentos, que a cabeça não exploda pensando nele. Um sonho que ultrapasse a barreira do travesseiro e a barreira das seis da manhã. Quero um sonho que possa contagiar outras pessoas, desde mendigos até doutores e mestres. Quero um sonho que tenha muito amor, um sonho que tenha misericórdia, que tenha carinho, compreensão, lindeza, leveza. Quero um sonho simples, que não se esvaia com o tempo nem com o vento. Um sonho que não se individualize, tampouco forme oligopólios. Um sonho utópico não utópico. Um sonho paradoxal e coerente. Um sonho que siga só uma lógica, universal. Quero aquele sonho, que ninguém sonhou em sonhar, que ninguém sequer sonhou que poderia ser sonhado, tampouco realizado.
Quero um sonho que sonhe comigo.
Quero que sonhem comigo.
Quero um sonho.
- Esse tem, mas acabou, senhor...
- Obrigado, boa tarde.
- Obrigada você

domingo, março 13, 2005

Uma visão um pouco mais ampla sobre palavrões

Palavreado de baixo calão, inescrupuloso, esdrúxulo, mal educado, feio. São muitos os rótulos impostos pela sociedade aos "palavrões". Há um tempo fui formulando idéias (idéias efervesceram, como diz André Favilla [www.acrilic.blogger.com.br]) sobre esse tema, devido ao fato de eu usar muitos palavrões diariamente, para a resolução correta de um exercício, para designar alegria, para designar raiva ou para qualificar termos. Tomei coragem e resolvi escrever e expor essas idéias. Recomendo a "não-leitura" do texto para quem "não lê palavrão de jeito nenhum".

"Ah não, mãe, física é foda demais!", "Menino, deixa de ser boca-suja e vai estudar pra ver se você consegue falar direito!". Essa mesma criança, quando falar com alguma pessoa não íntima não vai pronunciar nenhuma das palavras proibidas, porque aprendeu quando era pequeno que estas são feias. Quem o ensinou que estas palavras são feias foi a sua mãe, que por sua vez não gostava de quem falava palavrão, pois seu pai (o avô do menino) a ensinou assim. Já se percebe aí uma cadeia de acontecimentos, de passagem de conceitos. Uma rotulagem consuetudinária quanto a certas palavras. Em um determinado momento alguém, não tenho idéia porque, tachou uma palavra como sendo feia, suja, de uso indevido por quem queria estar bem na sociedade. E essa tachação seguiu andando até os dias de hoje, e o que eu quero ressaltar nesse texto é a falta de lógica que essas idéias assumem, e ainda mais: talvez o povo não pare para pensar nessa incoerência que são os palavrões. Provavelmente, além de influenciados fortemente no sentido hereditário, há a mesma forte influência, talvez mais pesada, pelos meios de comunicação (leia-se rede globo), que tira uma lasca da capacidade da população de pensar por si só (mas esse é assunto pra outro dia).
A incoerência à qual me refiro exponho-a agora. Tudo que se rotula, ou que se impõe um título, há de ter um porquê. A análise a que me proponho é averiguar o porquê de algumas palavras serem xulas. Então comecemos. Todas as palavras, inclusive palavrões, têm duas "faces": um significante, e um significado. Segundo o gramático Luiz Antônio Sacconi: Significante: uma forma, um elemento perceptível pelos sentidos. Significado: uma idéia, um conteúdo semântico, um elemento conceptual, não perceptível por nenhum sentido. Esta última compreende a denotação, e a conotação. A denotação, como sabemos, é a propriedade que a palavra tem de limitar-se a seu primeiro significado, imediatamente sugerido pelo significante. E conotação é a propriedade que possui uma palavra de ampliar-se no seu campo semântico, dentro de um determinado conceito. Pois apliquemos esses conceitos na análise de termos xulos: como se pode atribuir a uma palavra o sentido de feia ou bonita, baixo ou alto calão, senão pelo seu significante ou significado? Como até hoje ninguém foi capaz de mostrar outra maneira, optei por considerar apenas esta. Tendo em vista o significante de uma palavra, o conjunto de letras que esta forma, é totalmente incoerente e sem lógica atribuir-lhe um valor feio ou bonito. Tomemos como exemplo a palavra caralho. Nem todos acham esse conjunto de letras visualmente feio, e acredito que há alguns que acham até bonito. Mas a sociedade acaba ignorando qualquer conceito destes e tacha a palavra como sendo feia. Se fosse assim, ninguém deveria pronunciar a palavra escaravelho em público, pois esta tem todas as sílabas do dito palavrão anterior, e ainda duas a mais, "es" e "ve", aumentando o tamanho. E com certeza há pessoas que encontram em "escaravelho" um significante mais complexo quem em "caralho". Para confirmar, basta pedir a uma criança que escreva as duas palavras, repetindo-as normalmente, sem separar sílabas, para que ela ouça e escreva o que entende. A mesma tese cai como uma luva em "rôla" e "enrolado", "bicha" e "bicho", "cú" e "encurralado", e, excedendo à tese, esta última forma até cacofonia.
Outro lado que levo em questão é o significado. Do ponto de vista denotativo, o significado de muitos palavrões não têm nada, nada mesmo a ser discutido, de modo que as leve a serem tachadas. Na prática, retomando o primeiro exemplo, caralho nada mais significa do que pênis. Designa nada mais nada menos que genitália masculina. No entanto, ao ler o substantivo usado cientificamente em livros, textos, ou ouvi-lo, não se causa tanto espanto, na verdade, espanto nenhum é causado. Entretanto, peça para um palestrante de sexualidade usar o termo rôla ao invés de pênis... Esse mesmo fato acontece para "buceta" e "vagina", "cú" e "ânus" ou "bunda". Não há porque rotular uma palavra como sendo de baixo calão apenas por designar outra com mesmo sentido semântico. Se fosse assim, "face", "cara" e "rosto" não seriam amplamente usados, bem com "aguardar" e "esperar", "pessoa" e "indivíduo", "cachorro" e "cão"; lembrando que todas têm significantes perceptivelmente distintos, assim como os "palavrões" da língua portuguesa.
Outra parte do significado é a parte conotativa. A conotação ocorre com quase todos, senão todos os substantivos do "palavreado esdrúxulo". Tomemos como exemplo o termo foda. Originalmente designa o ato sexual, coito, transa. Em determinado conceito, pode determinar significado de "díficil", bem como em "A prova estava foda.", ou "Esse exercício é foda", exemplo semelhante à primeira frase do texto. Outro cognato de "foda" é "legal, muito bom", por exemplo: "Esse show foi foda!", "O professor Duarte é foda!". Pode-se verificar muitos outros exemplos no uso coloquial desse termo. Exatamente da mesma forma age a palavra "caralho". Além do sentido denotativo, órgão sexual masculino, é usado como expressão lingüística, interjeição de espanto: "Caralho, você viu aquilo?". Dentre os sentidos, também está o de locução adverbial de intensidade: "Ontem corri pra caralho.", ou "Trabalhei feito um cavalo, havia serviço pra caralho a fazer.". Apenas para constar, mais um significado para a palavra, o de qualificar um substantivo, como sendo bom, "bacana": "O Ronaldo fez um gol do caralho na final da copa.". Como vemos, há um vasto campo semântico para cada substantivo considerado feio, e nesse campo semântico, ocupam o lugar de outras palavras usadas para conotar o mesmo sentido, e essas palavras não são consideradas "palavrões".
As considerações teóricas que fiz valem se formos analisar quaisquer outros termos "xulos". Prova-se que não há porque considerar uma palavra feia, ou quem a fala, pessoa sem escrúpulos, pelo fato de essa palavra possuir um determinado significante, ou um determinado significado, ou mesmo por ser polissêmica. Se a sociedade insiste em tomar essa posição, que a aplique a todas as palavras que se encaixam no perfil dos palavrões, seja em qualquer visão teórica das quais apresentei no texto. O povo, quando põe em prática este falho conceito de "palavrão", se posiciona de forma incoerente e ilógica, não vendo o quanto pode aprimorar seus conceitos.


Apenas em âmbito de complemento, é bom ressaltar que dos vários significados que os "palavrões" podem ter, quando se usa algum destes com o intuito de ferir a índole ou os valores de alguém, quando usado em sentido ofensivo, a pessoa tem condições de assumir o caráter inescrupuloso e mal que se insiste em impor a todos os substantivos citados. E o que deve ser considerado xulo é o contexto no qual a palavra se encontra, e/ou a pessoa que sed utilizou desse contexto, mas jamais o significado ou significante de uma só palavra isolada, afinal, não se constrói um contexto com apenas UMA palavra.



Vinicius José da Silva Moreira
vinicius@ca.tc


PS: Não gosto de usar esse recurso, mas para não ferir a estrutura do texto, já concluída, apelo a esta saída. Lembrei de uma situação em que palavrões são mais aceitos, que é quando este é usado culturalmente. Em uma música popular amplamente conhecida, que é Côco do Côco (interpretada pela Fátima Guedes, Leila Pinheiro, e outros intérpretes renomados), há um momento na letra que se fala o termo "xereca", no designando o órgão sexual feminino. Ninguém reclama desse uso. Em muitas peças de teatro também são usados esses termos, mas todos os espectadores riem quando se usa. Poderia-se utilizar o argumento que essas palavras são usadas dentro de um âmbito cultural, mas esse argumento mantém-se falho, pois, esquece-se que os níveis lingüísticos utilizados constituem diversas culturas diferentes. Portanto, os termos não deixam de serem usados em um âmbito cultural.